CMN e Fiocruz PE se unem para despertar o interesse científico em meninas adolescentes da periferia do Recife

O projeto Mulheres e Meninas em Movimento para a Ciência levou cerca de 30 adolescentes para conhecer a estrutura do Instituto Aggeu Magalhães

Por Ana Roberta Amorim, da CMN

Reconhecer-se em um lugar no qual há poucas pessoas parecidas com você pode ser uma tarefa difícil. Mas quando é dada a oportunidade de acessar esse lugar e ver de perto aquilo que parecia tão distante, o sonho pode, enfim, tornar-se algo possível.

Foi com esse propósito que o projeto Mulheres e Meninas em Movimento para a Ciência, uma parceria entre a Casa da Mulher do Nordeste e a Fiocruz Pernambuco, começou a ser colocado em prática, com a ida de cerca de 30 meninas de comunidades do Recife aos departamentos e os laboratórios do Instituto Aggeu Magalhães (IAM), localizado dentro do campus da Universidade Federal de Pernambuco, nessa quarta, 19.

Durante o dia, as adolescentes entre 17 e 19 anos experienciaram um dia de cientistas: visualizaram células por microscópios; entenderam o que são e como funcionam testes com DNA; acompanharam a criação de caramujos transmissores de esquistossomose e compreenderam como acontece a transmissão da doença; e visitaram o insetário, onde estão mosquitos como o Aedes aegypti, responsável pela dengue e chikungunya.

Ao todo, acompanhadas por um grupo de monitoras pesquisadoras e estudantes do IAM, as jovens visitaram os departamentos de Microbiologia, Entomologia, Parasitologia, Imunologia, Virologia, o Insetário e o Laboratório de Referência em Esquistossomose.

Laboratório de Microbiologia.
Foto: Ana Roberta Amorim/CMN

“Nunca tinha passado pela minha cabeça fazer ciência ou ser cientista porque sempre gostei muito da área de estética e gastronomia. Mas quando cheguei aqui e vi as coisas que têm, fiquei impressionada e comecei a gostar”, conta Karen Pamella, de 19 anos, uma das jovens participantes do projeto. “O que mais me chamou a atenção foram as células no microscópio e entender como os insetos se reproduzem”.

Também pela primeira vez em um centro de pesquisa em saúde, Hanna Rebeca, de 16 anos, se impressionou ao ver ao vivo o que antes só conhecia por meio dos professores. “A visão que eu tinha sobre ciência na escola era muito diferente da que eu vi aqui na Fiocruz. Nas aulas, a gente vê coisas mais básicas, por cima. Aqui, a gente viu na prática, mexemos, vimos de perto. Então, foi mais legal”.

Após as visitas aos departamentos e laboratórios do IAM, as meninas puderam conversar sobre vestibular, política de cotas e as políticas de assistência e permanência da Universidade Federal de Pernambuco (como apoio financeiro e auxílios moradia e alimentação) com o Diretor de Assistência Estudantil da UFPE Jônatas Felix e o representante do Diretório Central dos Estudantes (DCE UFPE), Everton Simão.

No Julho das Pretas, meninas pretas na ciência

Fotos: Ana Roberta Amorim/CMN

Inserir as adolescentes e as jovens nesse universo vasto, mas pouco aberto para mulheres, ainda mais pretas, era o principal objetivo da ideia que surgiu a partir de uma chamada interna da Fiocruz Pernambuco, por meio do edital nacional Mais Meninas na Fiocruz 2023.

“A Casa da Mulher do Nordeste, na perspectiva de gênero e raça, tem o propósito de abrir as portas das possibilidades de futuros diversos e realidades que antes pareciam distantes, e essa parceria com o Instituto Aggeu Magalhães/Fiocruz Pernambuco é mais um passo importante para isso. No mês em que comemoramos o Julho das Pretas, queremos que as meninas se sintam estimuladas a saber que é, sim, possível para elas entrarem na universidade, cursarem o ensino superior, se formarem no que quiserem e se tornarem cientistas”, afirma Anabelly Brederodes, responsável de projetos da CMN que acompanhou todo o dia com as adolescentes.

“A importância do Mulheres e Meninas em Movimento para a Ciência é ser uma ponte, abrir esse espaço para receber essas jovens que vivem em áreas de vulnerabilidade social, distantes do âmbito da ciência, conhecer o pensar e fazer científico, ajudando-as a entender como trabalhamos, como as pesquisas são desenvolvidas na instituição em prol da saúde pública”, explica a coordenadora do projeto, doutora em biologia molecular e pesquisadora do Instituto Aggeu Magalhães, Tatiany Romão.

Foto: Ana Roberta Amorim/CMN

Além do gênero, a raça também é um aspecto olhado com atenção pelo projeto. Se a cada degrau acima no estudo acadêmico que começa na graduação e segue por mestrado, doutorado e demais níveis de pesquisa científica a proporção de mulheres no geral vai diminuindo, a quantidade de mulheres negras consegue ser menor ainda. De acordo com dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), das quase 13 mil bolsas utilizadas, 64,4% são ocupadas por homens, enquanto 35,6%, por mulheres. Com o recorte de gênero, 82,35% são de pessoas brancas e apenas 4,71% para pessoas negras. Por isso, estimular o interesse pelo estudo científico em meninas pretas desde muito cedo se torna essencial.

Hanna e Karen, por exemplo, são duas meninas negras que não se imaginavam entrar em um ambiente como o do IAM. “Antes de vir para cá, eu pensava que cientista era coisa de filme, tipo um laboratório cheio de líquidos, sabe? Quando cheguei aqui, foi uma surpresa! O que mais me chamou a atenção foram os microscópios, eles eram diferentes nos filmes. Achei incrível ver pessoalmente”, declara Hanna.

“Mesmo vindo para cá, eu ainda não me imagino completamente nesse ambiente, parece algo distante. Ainda assim, achei interessante”, considera Karen.

De acordo com Tatiany, ainda nessa primeira fase do projeto, as adolescentes vão ter a oportunidade de olhar para a própria comunidade e buscar um problema em comum referente à saúde pública que possa ser levado à Fiocruz Pernambuco. A ideia é despertar o questionamento científico a fim de criar uma hipótese ou trazer uma resposta para esse problema.

O projeto Mulheres e Meninas em Movimento para a Ciência, uma parceria entre Casa da Mulher do Nordeste e Fiocruz Pernambuco, com coordenação de Tatiany Romão e apoio da vice-diretora de ensino do Instituto Aggeu Magalhães Sheilla Andrade e da doutoranda da instituição Katherine Aquino, tem previsão de conclusão neste segundo semestre de 2023.

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