Cadernetas Agroecológicas como ferramenta político-pedagógica evidenciam trabalho das mulheres

Cadernetas Agroecológicas como ferramenta político-pedagógica evidenciam trabalho das mulheres

As cadernetas foram tema de oficina ministrada pela Casa da Mulher do Nordeste

Por Ana Roberta Amorim, CMN

O trabalho das mulheres dentro do agroecossistema é visto, muitas vezes, como algo acessório, sem valor, de pouco impacto no resultado final ou no lucro conquistado pela família ou pela comunidade. No entanto, esse olhar, contaminado pela perspectiva patriarcal que determina o papel da mulher em qualquer contexto da sociedade – e da agroecologia – pode ser alterado aos poucos por meio de algumas estratégias e ferramentas. Uma delas é a Caderneta Agroecológica.

Ferramenta pensada inicialmente para a formação dentro do Programa Mulheres e Agroecologia, desenvolvido pelo Centro de Tecnologia de Alternativas da Zona da Mata, em Minas Gerais, e posteriormente incorporada por diferentes redes a partir do Grupo de Trabalho Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia, a utilização das Cadernetas Agroecológicas se expandiu para as cinco regiões do Brasil.

“Entendemos as Cadernetas como uma ferramenta político-pedagógica porque atua em duas frentes: dar visibilidade à produção das mulheres que pela sociedade e pelo Estado não têm suas produções valorizadas e contribuir para a autoestima delas”, explica Graciete Santos, presidenta da Casa da Mulher do Nordeste.

O funcionamento das Cadernetas Agroecológicas é simples, mas com um grande impacto no dia a dia no quintal produtivo e na própria dinâmica da relação familiar da mulher. Nas folhas do caderno, a agricultora registra tudo o que é consumido, doado, trocado e vendido. A partir disso, ela consegue mensurar, por exemplo, o que seria comprado e que acabou sendo economizado porque foi produzido no próprio quintal.

“Nesse sentido, as cadernetas problematizam diversas questões: toda essa produção invisibilizada, que é de consumo da família, que deixa de comprar  fora, como a produção da galinha, das hortaliças, das frutas, da vaca, da cabra. Isso tudo é segurança alimentar e nutricional”, pontua Graciete.

Oficina Economia Feminista

Como parte de sua metodologia nos processos de assessoria técnica as agricultoras, a Casa da Mulher do Nordeste, a partir do Projeto Caatinga Viva: transformando as relações sociais de gênero na paisagem do Pajeú, promoveu a oficina Economia Feminista e Uso das Cadernetas Agroecológicas com as membras da Associação Comunitária das Mulheres do Bom Sucesso, em Ingazeira, no Sertão do Pajeú.

A oficina, que ocorreu dia 7 de julho, abordou assuntos como a divisão sexual do trabalho, a segurança alimentar, as práticas agroecológicas e a economia feminista.

A dinâmica iniciou com cada mulher desenhando o seu agroecossistema em uma folha de papel, identificando, a produção no quintal, no roçado, a criação de animais, as tecnologias de acesso à água e à casa, destacando onde as mulheres estão e qual o trabalho desenvolvido por elas e pelos demais membros da família. O debate sobre a não divisão justa do trabalho doméstico pelos homens foi um ponto comum entre elas.

O uso dos agrotóxicos também foi tema de debate, a partir da colocação de uma das mulheres sobre a produção com o uso de venenos por parte de um vizinho. Com isso, foi-se discutida sobre a necessidade de conscientização das pessoas que compram produtos desse vizinho na feira da comunidade. Ao final, houve uma visita à propriedade de uma das mulheres participantes da oficina com o objetivo de intercambiar saberes e conhecimentos entre as mulheres, que apesar de participarem de uma mesma associação não conhecem as práticas agroecológica entre elas

Rosineide Oliveira Santos, membra da Associação Comunitária e moradora do Sítio Bom Sucesso, destacou como o entendimento das Cadernetas Agroecológicas alterou positivamente a sua rotina. “O bom da caderneta é que quando eu passei a usar percebi o quanto ela mudou minha vida. Antes, eu não sabia quanto eu fazia na minha produção, quanto eu doava nem nada disso. Hoje eu sei o quanto eu lucro, o quanto eu doou e quanto economizo sem precisar comprar”, comemora.

“Foi muito gratificante fazer parte dessa oficina. Se não fosse a Casa da Mulher do Nordeste nós mulheres produtoras não teríamos tantas tecnologias em nossas vidas”, pontua Rosineide, que foi uma das seis participantes do encontro.

Ao todo, 14 mulheres estão sendo acompanhadas no preenchimento das cadernetas, que já ocorre há cerca de dois meses. “Essas oficinas serão reproduzidas em outras comunidades. A ideia é que as mulheres anotem todos os dias e, uma vez por mês, a gente faz esse somatório. Ao final, fazemos a sistematização daquilo que foi a renda, a evolução, o que mais trocaram e como foi o autoconsumo”, diz Graciete, que também foi responsável por conduzir a oficina.

A Casa da Mulher do Nordeste está na execução estratégica do Projeto Caatinga Viva: transformando as relações sociais de gênero na paisagem do Pajeú. A iniciativa é do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no âmbito do Projeto Operacional do Small Grants Programme no Brasil, financiado pelo Fundo para o Meio Ambiente Mundial – GEF.

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